O MODÉLO DO PANTEAO
E através dos mitos da cosmogonia que tentaremas representá-la.
Na origem do mundo atual e à frente do panteão do céu, os mitos colocam Mawu. O nome Mawu é composto de duas palavras:
Ma e wu. E segundo um princípio bem conhecido em todas as línguas africanas, múltiplos sentidos podem ser obtidos a partir das mesmas. Assim, no caso preciso que nos concerne, Ma pode significar negação ou o verbo distribuir, dividir, enquanto wu pode significar "ser superior a" ou "corpo". A língua, por si só, não pode, pois, permitir-nos uma resposta categórica frente às duas interpretações.
Em tudo o que diga respeito a Mawu, um outro vodun acha-se ligado ao mesmo de forma inseparável: Lissa.
Nesse caso, o nome Mawu designa um par de divindades, um par de gêmeos. Mawu, do sexo feminino, Lissa.. do sexo masculino. A mitologia não consegue separar as duas divindades, mesmo que o aspecto econômico da prática não evoque comumente senão um dos dois nomes do casal original. Nessa ordem de idéias as funções ou responsabilidades
assumidas por um ou outro componente do casal divino, assim como suas característieas, não são idênticas. O ato de organizar a natureza incumbe a Mawu (divindade da fertilidade), assistida por Dan (vodun, ou melhor, a fôrça que controla a vida e o movimento) . A Lissa (divindade da força e do fogo) cabe o ato de organizar o mundo dos homens, tarefa na qual
é auxiliada por Gou (vodun da transformação do mundo, da indústria, da cultura) . Outras características distinguem Mawu e Lissa. Tudo que diz respeito à feminilidade, conforme a concepção da sociedade autóctone, posta à parte a fertilidade, a gentileza, a alegria, a sabedoria, a maturidade, liga-se a Mawu. Quanto a Lissa, é a força, a robustez, o calor, o trabalho, a juventude que o caracterizam.
Na representação social de Mawu e Lissa, Mawu é a lua e a noite, Lissa é o sol e o dia. Eis o que é a divindade dúplice que rege o universo dos vodun. E que dizer da sucessão dos vodun? Os mitos os apresentam como filhos de Mawu-Lissa. Eis um mito na qual todos os filhos de Mawu-Lissa são evocados: Mawu-Lissa, andrógino, gerou os gêmeos Dada Zodji e Nyohwe Ananou, gerou SÔ (andrógino), os gêmeos Agbé e Naeté, gerou Gou, Djo e o filho mais nôvo, Legbá .
ESTRUTURA E MOBILIDADE NO SEIO DO PANTEAO
A primeira observação que se impõe o caráter genealógico da concepção do panteão. A função elucidativa dessa sucessão não mais escapa aos pesquisadores científicos. Todos reconhecem com J. P. Vernant que, "para o pensamento mítico, toda genealogia, é, ao mesmo tempo, explicação de uma estrutura, e não há outra forma de explicação para uma narrativa genealógica". A isso acrescentemos que na concepção genealógica do panteão vodun, cada divindade vive numa dependência em relação ao significativo maior - o demiurgo ao criador Mawu-Lissa. Nessa condição de dependência, cada vodun ocupa um lugar bem marcado Assim, no mito ~cosmogônico evocado mais acima, seis vodun repartem entre si a direção do universo. Dada Zodji e Nyohwe Ananou têm a comando da terra. Desceram à mesma com todas as riquezas que seus pais lhes deixaram em herança; Sogbô possui a gestão dos negócios do céu; Agbé e Naeté ocupam-se do mar; Agé encarrega-se das florestas e dos animais; Gou constitui a força de seus antepassados e ucupa-se da terra a ser desbravada e das armas; Djo traduz, em certo sentido a invisibilidade dos voduns; é o ar que envolve o universo.
Essa nota de explicação genealógica, traduzindo a dependência em relação ao significativo maior que é Mawu-Lissa, não seria um caso particular do mito que se analisa? Parece que, sejam quais forem os mitos cosmogônicos considerados, impõe-se a mesma observação. Apesar das variações regionais, da multiplicidade das ortodoxias e da assimilação desigual dos elementos esparsos, reinterpretados em um conjunto mais ou menos coerente, manifesta-se sempre o mesmo modêlo de explicação genealogica, traduzindo a dependência em relação a um significativo maior. Há aí, pode-se dizer, um modêlo comum que se reencontra ao nível sócio-político. Ele designa a conotação de uma concepção conformistado universo, onde cada coisa se acha em seu lugar,de forma definitiva. A preeminência do primogênito é característica nesse modêlo, no qual as regras e normas precisas definem as relações entre os personagens. Como conceber, nesse modêlo rígido, a possibilidade de mudança? Digamos que a mudança sempre foi possível, passando-se de
uma a outra região. O modêlo comum diversifica-se assim, em vista da ênfase posta em tal ou qual detalhe Nesse sentido, em vez de ver-se Gou na quinta categoria, como é o caso do mito evocado neste artigo, assistir-se-á sua promoção ao primeiro lugar quando se trata de um grupo cultural onde predominam, por exemplo, os ferreiros. A ordem descrita no modêlo de referência não é, portanto, unívoca.
Essa mobilidade, porém, tomada possível pela nãocorrespondência das estruturas nacionais e regionais, não é no entanto, essencial. Uma outra modalidade acha-se inscrita no próprio contexto do modêlo descrito. Situa-se ao nível do vodum Legbá.
continua ...........
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