quinta-feira, 15 de abril de 2010

ORI PARTE III


Ao escolher sua cabeça e seguir em direção ao àiyé, o ser humano atravessa vários ambientes como de calor excessivo de desertos: muito frio como das zonas gélidas da terra: zonas onde tem de atravessar tempestades com ventos e chuvas fortes. E se as cabeças não tiverem sido bem confeccionadas elas irão se danificar e ficarão em péssimo estado ao chegarem ao àiyé.
Dependendo do estado em que cheguem, se a cabeça estiver boa àquela pessoa trabalhará, e tudo o que fizer será para si mesmo, podendo prosperar na vida, alcançando o sucesso e a fortuna. Se a cabeça estiver danificada, aquela pessoa trabalhará e tudo o que conseguir será para gastar com os reparos mo seu orí.
Quando ele não for muito danificado, os primeiro anos de vida dessa pessoa serão um pouco sacrificados, ela poderá passar por privações e dificuldades em virtude de não conseguir prosperar na vida, pois, tudo o que arrecadar irá para o conserto do seu orí. Depois que ele terminar os reparos necessários, o que ele fizer será para si próprio, é então quando ele começa a prosperar em sua vida no àiyé.
Outras pessoas têm orí tão danificados, que por mais que trabalhem na vida, jamais conseguirão consertar os danos do seu orí. E tudo o que fizerem na vida será para gastar com seu orí ruim. São aquelas pessoas que passam a vida toda vegetando, nunca conseguem fazer nem concluir as coisas, vivendo sempre na penúria e no aperto nunca possuindo nada de seu e não conseguindo serem felizes por mais que se esforcem, pois, tem um orí ruim.
Mas, acredita-se que esses consertos podem ser feitos através de oferendas – eborí – ebo orí, que ajudarão a restaurar aquele orí mais depressa, o que pode mudar um pouco essa predestinação. Não é porque a pessoa tem um bom orí que ela poderá ficar sentada esperando tudo de bom na vida.
Ela está predestinada ao sucesso em sua vida, mas, desde que trabalhe para isso. Seus caminhos estarão sempre abertos para alcançar seus objetivos, esforçando-se para isso.

Àjàlá orí, orí l’ewà, l’ewà, l’ewà.
Àjàlá orí, orí l’ewà, l’ewà, l’ewà.
Opé ènyin edùmarè, wá orí, e kú ó.
Opé ènyin edùmarè, wá orí, e kú ó.
E kú ó òrun, e kú ó òsùpá, e kú òjò, òjò bò ilè.
E kú ó òrun, e kú ó òsùpá, e kú òjò, òjò bò ilè.
Iré orí ó jí, ó jí ire orí,
Iré orí ó jí, ó jí ire orí.

Tradução
Àjàlá que molda cabeças, deixe este orì lindo, lindo, lindo.
Agradeço-te deus, venha para esta cabeça, eu te saúdo.
Eu saúdo o sol, eu saúdo a lua, eu saúdo a chuva, chuva que cai sobre a terra.
Vc será uma cabeça feliz, acorde feliz orí.


Ori o ori o
Ori mi o!
Se rere fun mi!


Tradução
Meu ori!
se alegre comigo!

Para termos idéia quanto a importância e precedência do ori em relação aos demais orisa, um itan do Odu Otura Meji, ao contar a história de um ori que se perdeu no caminho que o conduzia do orun para o aiye, relata: “… Ogun chamou ori e perguntou-lhe, “você não sabe que você é o mais velho entre os orisa? Que você é o líder dos orisa?’…”. Sem receio podemos dizer, “ori mi a ba bo ki a to bo orisa”, ou seja, “meu ori, que tem que ser cultuado antes que o orisa” e temos um oriki dedicado à ori que nos fala que ” ko si orisa ti da nigbe leyin ori eni”, significando, “… não existe um orisa que apóie mais o homem do que o seu próprio ori…”.



Quando encontramos uma pessoa que, apesar de enfrentar na vida uma série de dificuldades relacionadas a ações negativas ou maldade de outras pessoas, continua encontrando recursos internos, força interior extraordinária, que lhe permitam a sobrevivência e, inclusive, muitas vezes, mantém resultados adequados de realização na vida, podemos dizer, “eniyan ko fe ki eru fi aso, ori eni ni so ni”, ou seja, “as pessoas não querem que você sobreviva, mas o seu ori trabalha para você”, trazendo, essa expressão, um indicador muito importante de que um ori resistente e forte é capaz de cuidar do homem e garantir-lhe a sobrevivência social e as relações com a vida, apesar das dificuldades que ele enfrente.
Esta é a razão pela qual o eborí, forma de louvação e fortalecimento do ori utilizada em nossa religião, é utilizado muitas vezes, precedendo ou, até, substituindo um ebo. Isso se faz para que a pessoa encontre recursos internos adequados, esta força interior de que falamos, seja à adequação ou ajustamento de suas condições frente às situações enfrentadas, seja quanto ao fortalecimento de suas reservas de energia e consequente integração com suas fontes de vitalidade.
É importante dizer que é o ori que nos individualiza e, por conseqüência, nos diferencia dos demais habitantes do mundo. Essa diferenciação é de natureza interna e nada no plano das aparências físicas nos permite qualquer referencial de identificação dessas diferenças. . Sinalizando essa condição, talvez uma das maiores lições que possamos receber com respeito a ori possa ser extraída do itan odu osa meji, que reproduzimos a seguir e que é a resposta que foi dada por ifá para mobowu, esposa de ogun, quando ela foi lhe consultar:

“ori buruku ki i wu tuulu.
Aki i da ese asiweree mo loju-ona.
A ki i m’ ori oloye lawujo.
dia fun mobowu ti i se obinrin ogun.
Ori ti o joba lola, enikan o mo ki toko-taya o mo pe’raa won ni were mo.
Ori ti o joba lola, enikan o mo.”

Tradução
“uma pessoa de mau ori não nasce com a cabeça diferente das outras.
Ninguém consegue distinguir os passos do louco na rua.
Uma pessoa que é líder não é diferente e também é difícil de ser reconhecida.

É o que foi dito à Mobowu, esposa de Ogun, que foi consultar Ifá. Da mesma forma que o ori de Afuwape sobreviveu, o seu sobreviverá. Ele será favorável a você. Tudo de que você precisa, tudo o que você quer para a sua vida, é ao seu ori que você deverá pedir. É o ori do homem que ouve o seu sofrimento…”

A espécie de material com o qual são modelados os ori individuais indicará que tipo de trabalho é mais conveniente, proporcionando satisfação e permitindo a cada um alcançar prosperidade. Indica também as interdições – ewo – aquilo que lhe é proibido comer, por causa do elemento com o qual o seu ori foi modelado”.
Ou seja, os ewo representam a proibição de que o indivíduo “coma” alimentos que contenham a mesma “matéria” da qual foi retirada uma porção para modelagem do seu ori. A não observância da interdição traduz-se por uma disfunção energética de consequências profundamente negativas para o equilíbrio do indivíduo, seja do ponto de vista orgânico, seja do ponto de vista do mundo emocional, seja quanto as suas condições de realização do “programa” particular de existência.
Ori., qual o seu papel na vida do homem? O conceito de ori está intimamente ligado ao conceito de destino pessoal e à instrumentalização do homem para a realização deste destino.
Um itan do Odu Ogunda Meji, nos dá a exata dimensão da matéria quando nos relata sobre a correspondência entre o ori e o homem e a relação de causa e efeito existente nesta correspondência:

“… ori, eu te saúdo!”.
Aquele que é sábio,
Foi feito sábio pelo próprio ori.
Aquele que é tolo,
Foi feito mais tolo que um pedaço de inhame,
Pelo próprio ori…”



No Odu Ogbeyonu (Ogbe Ogunda) vamos encontrar ainda, “… quando acordo pela manhã coloco minha mão no ori. Ori é fonte de sorte. Ori é ori!…”.
É um oriki dedicado à Ori, mostrando o papel que Ori tem na vida de cada pessoa quanto as suas relações interpessoais, suas relações com as outras pessoas, e as suas condições de realização e progresso em todos os empreendimentos da vida, nos diz:

“ori mi
Mo ke pe o o
Ori mi
A pe je
Ori mi
Wa je mi o
Ki ndi olowo o
Ki ndi olola
Ki ndi eni a pe sin
Laye



O, ori mi
Lori a jiki
Ori mi lori a ji yo mo laye”

Tradução



Meu ori
Eu grito chamando por você
Meu ori,
Me responda
Meu ori,
Venha me atender
Para que eu seja uma pessoa rica e próspera
Para que eu seja uma pessoa a quem todos respeitem
Oh, meu ori!
A ser louvado pela manhã,
Que todos encontrem alegria comigo”

Toda existência no universo da criação se processa em dois planos: o mundo visível, o aiye, universo concreto que habitamos, e o mundo invisível, orun, onde habitam os seres sobrenaturais e os “duplos” de tudo o que se encontra manifestado no aiye. Não são, como é possível pensar, mundos independentes ou rigidamente separados. Na realidade podemos afirmar que o aiye é, antes de mais nada, uma “projeção” da realidade essencial que tem existência e se processa no orun.
Para o negro-africano o visível constitui manifestação do invisível. Para além das aparências encontra-se a realidade, o sentido, o ser que através das aparências se manifesta. Sob toda manifestação viva reside uma força vital: de deus a um grão de areia, o universo africano é sem costura. (Erny, 1968:19) universo de correspondências, analogias e interações, no qual o homem e todos os demais seres constituem uma única rede de forças.”
É necessário entender, assim, que aiye e orun constituem uma unidade e, enquanto expressões de dois níveis de existência, são inseparáveis e complementares. Essa unidade é simbolizada pelo igba-odu, cabaça formada de duas metades unidas onde a parte inferior representa o aiye e a parte superior representa o orun. No interior, os “elementos indispensáveis à existência individualizada”. Poderia ser representada por uma figura e sua imagem refletida no espelho – há plena identidade entre elas, uma é apenas a imagem invertida da outra.
Podemos dizer nessa figuração que o aiye é a imagem refletida do orun. Essa analogia provavelmente explica a situação conhecida de que os odu, quando vieram do orun para o aiye, tiveram sua ordem de precedência invertida. Ou seja, muito embora no aiye considere-se ejiogbe meji como o mais antigo dos odu, todo babalawo saúda ofun meji, ou orangun meji como é também conhecido, em sua realeza, dizendo: Eepa odu!, louvando assim sua antiguidade e sua precedência efetiva.



Temos assim que toda existência no aiye reflete uma realidade anterior existente no orun. A existência no aiye implica em processar-se uma “modelagem” anterior no orun, a partir da qual porções de matérias-massas que constituem a base da existência genérica são tomadas em fragmentos particulares e vão constituir a manifestação dessa existência em forma individualizada no aiye.
Esses elementos matrizes possuem, por consequência, dupla existência: uma parcela presente no orun e a outra parcela dando vitalidade ou formação às diferentes partes que formam a “realidade” individualizada de vida. A esses fragmentos particulares retirados da massa genitora chamamos ipori e é ele, ipori, que determinará o orisa que cada indivíduo cultuará no aiye, condicionando também sua instrumentalização particular na relação com a vida e o repertório possível de escolhas que possa realizar.
Podemos perceber que a compreensão sobre o papel que ori desempenha na vida de cada homem está intimamente relacionado à crença na predestinação – na aceitação de que o sucesso ou o insucesso de um homem depende em larga escala do destino pessoal que ele traz na vinda do orun para o aiye. A esse destino pessoal chamamos kadara ou ipin e é entendido que o homem o recebe no mesmo momento em que escolhe livremente o ori com que vai vir para a terra.
Ori desempenha um papel importante para os seguidores de IFÁ. Nele acredita-se que escolhemos nossos próprios destinos. E nós o fazemos mediante os auspícios do orisa Ijala Mopim. A esfera de ação de Ijala é junto a Olodumare é ele que sanciona as escolhas de destino que fazemos. Essas escolhas são documentadas pelas divindades que chamamos de Aludundun. Um verso de ifá explica esta questão: “



“você disse que foi apanhar o seu ori.
Você sabia onde Afuwape apanhou o seu ori?
Você poderia ter ido lá para apanhar o seu.
Nós pegamos nossos ori nos domínios de ijala,
Assim somente nossos destinos diferem”

Ijala é responsável pela modelação da cabeça humana, e acredita-se que o ori e o odu – signo regente de seu destino que escolhemos, determina nossa fortuna ou atribulações na vida, como foi dito. Ijala, embora notável em sua habilidade, não é muito responsável e, por isso, muitas vezes modela cabeças defeituosas: pode esquecer de colocar alguns acabamentos ou detalhes desnecessários, como pode, ao levá-las ao forno para queimar, deixá-las por um tempo demasiado ou insuficiente.



Tais cabeças tornam-se assim, potencialmente fracas, incapazes de empreender a longa jornada para a terra, sem prejuízos. Se, desafortunadamente, um homem escolhe uma dessas cabeças mal modeladas, estará destinando a fracassar na vida.



Durante sua jornada para a terra, a cabeça que permaneceu por tempo insuficiente ou demasiado no forno, poderá não resistir à ação de uma chuva forte e chegará mais danificada ainda. Todo o esforço empreendido para obter sucesso na vida terrena terá grande parte de seus efeitos desviada para reparar tais estragos.

Pelo contrário, se um homem tem a sorte de escolher uma das cabeças realmente boas, tornar-se próspero e bem sucedido na terra, uma vez que sua cabeça chega intacta e seus esforços redundam em construção real de tudo aquilo que se proponha a realizar.

O trabalho árduo trará, ao homem afortunado em sua escolha, excelentes resultados, já que nada é necessário dispender para reparar a própria cabeça. Assim, para usufruir o sucesso potencial que a escolha de um bom ori acarreta, o homem deve trabalhar arduamente. Aqueles, entretanto que escolheram um mau ori têm poucas esperanças de progresso, ainda que passem o tempo todo se esforçando.



Sendo estes os pressupostos, retomamos as perguntas: como saber se a escolha do próprio ori foi boa ou má? Pode um homem conhecer as potencialidades da própria cabeça ou da cabeça de outrem?



O jogo divinatório de Ifá possibilita que a pessoa tome conhecimento dos desígnios do próprio ori, saiba a respeito do orisa ou irunmale que deve ser cultuado e conheça seus ewo – proibições quanto ao consumo de alimentos, uso de cores e condutas morais
Muitas referências são feitas às relações entre ori e o destino pessoal. O destino descrito como Ipin Ori – a sina do ori – pode ser dividido em três partes: Akunleyan, Akunlegba e Ayanmo.
Akunleyan é o pedido que você fez no domínio de ijala – o que você gostaria especificamente durante seu período de vida na terra: o número de anos que você desejaria passar na terra, os tipos de sucesso que você espera obter, os tipos de parentes que você deseja.
Akunlegba são aquelas coisas dadas a um indivíduo para ajudá-lo a realizar esses desejos. Por exemplo: uma criança que deseja morrer na infância pode nascer durante uma epidemia para garantir a morte dele ou dela.
Ayanmo é aquela parte do nosso destino que não pode ser mudada: nosso gênero (sexo) ou a família em que nascemos, por exemplo.

Ambos, Akunleyan e Akunlegba podem ser alterados ou modificados quer para bom ou para mau, dependendo das circunstâncias.

Assim o destino descrito como Ipin Ori – a sina do ori pode sofrer alterações em decorrência da ação de pessoas más chamadas como Araye – filhos do mundo, também chamadas Aiye – o mundo ou ainda, Elenini – implacáveis (amargos, sádicos, inexoráveis) inimigos das pessoas.

Entre estes encontram-se as àjé – bruxas, os oso – feiticeiros, os envenenadores e todos aqueles que se dedicam a práticas malignas com intuito de estragar qualquer oportunidade de sucesso humano.

Sacrifício e ritual podem ajudar a melhorar as condições desfavoráveis que podem ter resultados destas maquinações maléficas imprevisíveis.

continua........

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