Para o povo yorubá, Ilê-Ifé é o berço da humanidade, o local onde a raça humana teria sido criada, porque foi para onde os primeiros filhos de Olorum (ou Olodumaré) foram enviados.
Nessa missão, Orumilá tem papel importante graças à sua sabedoria. Aquilo que ele vê e interpreta no jogo é como o diagnóstico, a prescrição para a cura, a solução de um problema. Suas determinações não devem ser ignoradas porque, com inteligência, é ele que consegue fazer com que os pedidos sejam atendidos por Olodumaré.
“Miúdo, franzino, de temperamento reservado” parecem qualidades inerentes aos seres frágeis. Mas “sem esqueleto” pressupõe que Orumilá-Ifá seja um ser encantado, do outro mundo, não um homem comum. Quando verifica que Yemanjá lhe desobedeceu sentando em seu lugar e fazendo uso de seus apetrechos, o “pai do segredo” transforma-se em um homem vigoroso, intransigente e extremamente rigoroso, a ponto de não suportar a transgressãoe expulsar a mulher de casa. A questão do acesso ao conhecimen¬to e da definição dos papéis sobre a detenção do saber na alta sociedade dos yorubás fica clara nesse ponto da história. Foi por vontade de Olofi que os dois se casaram, como foi Olofi quem determinou que nenhuma mulher poderia presidir o Ifá.
Mas Yemanjá não era uma mulher qualquer. Também ela era sábia e tinha o dom divino de interpretar os sinais do destino e os tratamentos recomendados pelo oráculo aos que o procuravam. E como foi que ela aprendeu a manipular e adivinhar os odus? Em essência, Yemanjá tem a compreensão de todas as coisas, porque foi quem as gerou. Ela conhece os caminhos do segredo, porque é dela que todos os caminhos partem.
A história conta que Yemanjá não encontrou limites em sua ação e acabou por ocupar um posto reservado unicamente ao sacerdote dono do conhecimento, do segredo e da magia. Nesse conflito direto com Orumilá, Yemanjá reiterou a importância dele, pois proibições não se discutem. Cada um, da sua perspectiva, se viu com razão. Porém o que prevaleceu foi a determinação do Ifá.
O relacionamento que se dá em seguida, entre Yemanjá e o orixá Erinlé (ou Inlé), é, na realidade, outra história amarrada na anterior com a intenção de criar uma conexão analítica sobre o aspecto da “proibição” e do que pode acontecer com aqueles que agem em desrespeito às leis da natureza.
Os dois vivem juntos durante um tempo, mas quando Erinlé finalmente oficializa o seu pedido de casamento, Yemanjá propõe um acordo em cuja base está a proibição que selará o destino do ca¬çador: “Jamais você deverá ridicularizar o tamanho de meus seios”.
Mas tendo bebido vinho de palma em excesso, um dia Erinlé se descuida e diz o que não devia, descontrolado, pagando depois com a própria língua. Ao contrário da primeira parte da história, as conseqüências não são desalentadoras, são devastadoras. Daí um ditado muito comum e não só entre os filhos de Yemanjá: “Minha cabeça me salva ou me perde”. E Yemanjá só encontra a paz quando, novamente, chega ao seu elemento natural, o mar, as águas.
O ANO NOVO DE YEMANJÁ
Até pouco tempo, as manifestações das crenças religiosas africanas foram toleradas por causa de um sincretismo inventado pelos negros para poder cultuar seus santos em paz, no tempo da escravidão; de outro jeito não era permitido. Foi assim que, sincretizada com a Nossa Senhora dos católicos, Yemanjá ganhou prestígio e popularidade em todas as camadas da sociedade cubana e brasileira. É claro que ela não é mais a mesma. Nem poderia ser. Aqui, o rio de Yemanjá é o mar, este mar Atlântico que atrai multidões às praias no ano-novo. A matriz, a grande matriarca, com seu axé assentado sobre conchas e pedras marinhas, está na África. Mas, na virada do ano, quando todos estão tomados pelo sentimento de renascimento, de renovação, é a ela, à velha dona do mar, Yemanjá, que milhões de pessoas recorrem vestidos de branco, levando flores, presentes para pedir um novo começo da vida e do mundo.
RITUAIS DA GRANDE MÃE
O tema dos rituais tem sido amplamente pesquisado por antropólogos e historiadores das religiões. As sociedades humanas primitivas praticavam rituais nas ocasiões mais significativas da vida: nascimento, iniciação na vida adulta, caça, guerra, casamento, morte, sepultamento, bem como nos momentos mais marcantes do curso da natureza, ligados à semeadura, à colheita, aos solstícios de verão e de inverno etc. Assim, ficavam registrados os grandes acontecimentos da vida, e toda a comunidade participava deles. Se seguirmos esses traços, vamos encontrar nos rituais primitivos a origem de dramas, danças, jogos, práticas religiosas e costumes que persistem até hoje, sob várias formas. Nesse sentido, a imagem da mãe revela-se o mais poderoso e universal dos arquétipos. Ela encerra amor, aconchego, apoio, sabedoria, sedução, e também um aspecto misterioso, perigosamente devorador. A figura da mãe, revestida desse arquétipo, é o primeiro ser feminino com o qual o homem tem contato.
Não surpreende, portanto, que sejam tão estreitas as relações do futuro homem com sua mãe, nem que ele encontre tanta dificuldade em desvincular-se dela para seguir, independente, seu desenvolvimento.
O ENCANTAMENTO DAS FAVAS
Esta é uma história especialmente marcada pela oralidade. A intenção desse efeito é dar uma carga poética ao cotidiano de muito suor, esforço e perseverança do personagem, o humilde lavrador, análogo à participação dos negros jêje-nagôs na formação da cultura brasileira e latino-americana.
Há alguns ensinamentos yorubanos nesta narrativa: o respeito à terra, responsável por fazer o ser humano persistir em sua luta por prosperidade e continuidade, seu sonho por uma colheita justa; o louvor ao trabalho, pois tudo que o homem consegue reconhece ser fruto deste.
Algumas descrições, ricas em detalhes, fortalecem a idéia de um processo complexo de plantação, em comparação ao estilo de vida simples do agricultor que recorre à ajuda de um cachorro para desvendar o mistério do sumiço das favas na sua roça. O animal inspira confiança ao lavrador por ser um elemento mais próximo da natureza, mais livre para perceber as sutilezas e os movimentos ao seu redor. E é justamente o animal que fareja e descobre que o “ladrão de favas” é ninguém menos que Yemanjá.
Outro aspecto importante a ressaltar é como o lavrador enxerga Yemanjá: aos poucos. É uma visão muito forte; não só pelo assombro diante do desconhecido, como também porque Yemanjá não se mostra logo. Ela aparece com cerimônia, envolta em poeira de luz, com tanta beleza e formosura nos movimentos que o lavrador é tomado por encanto. Sem uma palavra o encantamento o faz compreender de quem se trata. Dali em diante a oferenda estava compromissada: Yemanjá teria as favas que apreciava.
E, em retribuição, para lembrar a dimensão dos poderes de Yemanjá, aquela se tornou a maior roça de favas da região.
Texto: Claudia Cunha
7 comentários:
Kolofé Mãe Sueli,
Parabéns pelo blog, gostei, é sério e bem explicativo...
Mãe, me iniciei no jeje savalu recentemente, 11/02 foi a saída de Abê, tb sou filha dela, por isso a encontrei... gostaria que me desses algumas dicas, já que sou recém-nascida no culto e conhecendo minha mãe agora...
Obrigada!!!
A benção!!!
Que minha mãe lhe abençõe. Parabéns por sua iniciação. Como vc ainda é muito novinha de santo, sugiro que ouça todos os ensinamentos de sua casa de santo, pois na Internet existem muitas informações, algumas corretas outras não. Em relação ao nosso vodum, somos de famílias de diferentes regiões, qq coisa que lhe diga pode ir de encontro aos ensinamentos da sua casa. Vá lendo as informações do blog, pois tento passar informações de todos os seguimentos, quem sabe assim vc aprenda bastante coisa. Hoje pelo pouco tempo de iniciação vc pode passar batida em algumas informações, com o passar do tempo, vc vai ler novamente e vai dizer: ahhhhhh então era isso? Agora entendi! rsss Estou passando pra vc a minha experiência. Por tudo isso que resolvi montar este blog.
Seja feliz minha flor! Ame seu vodun acima de todas as coisas, respeite sua mãe/pai de santo sempre,afinal seu vodun confiou sua cabeça a ele/a. Estou a sua disposição para tudo que me for permitido.
Kolofé Olorum Renatinha!
Veja bem,ela não é igual a Yemanjá dos Yorubas, ela tem algumas características em comum,por ex., as duas habitam o mar. Abe é um vodun da familia de Heviosso, habita as águas revoltas do oceano, é grande conhecedora da magia. Veste branco e azul bem clarinho.
Asé!
Adorei este blog, é sem duvida muito util e importante, principalmente para os leigos, asé asé asé
Obrigada! Este é o objetivo do blog! Mas não é só para os iniciantes não, viu? Eu nas minhas pesquisas acabei aumentando bastante o meu conhecimento teórico, que me ajuda muito a entender melhor a minha religião. E isto me obriga a praticar, o pensar, com a cabeça de um negro.
Asé
Mãe Sueli, boa tarde! Kolofé.
Também fui feita em Jeje e de Vodun Abè e como disse a irmã aí em cima, quase não se encontra informações a respeito deste Vodun. A Senhora por um acaso possui alguma outra informação que não sejam as que a gente sempre encontra na internet? E novamente repetindo a Renata, ansiedade, curiosidade de principiante rsrsrs!
Obrigada!
Kolofé Dofonitinha!
Realmente as informações sobre vodun Abe são raras e nada conclusivas. Existem muitas divergências nas definições desta vodun e de seu culto. E estas divergências não são só no Brasil, são desde suas origens na Africa. Sugiro que vc e a Renatinha, continuem pesquisando, pelo menos vão conhecer um pouco nais teoricamente. O livro do Pares tem uma boa explicação. Maiores explicações eu não posso dar por aqui, pois são fundamentos e isso feriria a ética das nossas casas.
Axé!
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