quinta-feira, 8 de setembro de 2011

APETRECHOS RITUALISTICOS - PARTE IV - NAVALHA E CABELO


O ato de "usar" a navalha numa feitura de iyawô tem significados muito sutis e importantes.
Chamado de sacrifício (sagrado ofício), simboliza a passagem de um estado inferior para um superior. É o símbolo mais usado para exprimir a ruptura de níveis e a penetração no "outro mundo", no mundo supra-sensível (seja o dos mortos ou o dos deuses). É penoso passar pela lâmina afiada da navalha, pela "ponte apertada e perigosa" que exprime a necessidade de transcender os contrários, de abolir hábitos que caracterizam a condição humana a fim de conseguir alcançar um modelo de vida mais próximo à retidão do esforço espiritual, colocando-se no eixo de uma outra polaridade.
Os cabelos possuem o dom de conservar "relações íntimas" com o Vodum/Orixá/Inkice, mesmo depois de separados do corpo. Simbolizam suas propriedades ao concentrar espiritualmente suas virtudes: permanecem unidos a quem foi oferecido.
Na maior parte das vezes, os cabelos representam certas virtudes ou certos "poderes": a força e a virilidade, por exemplo, no mito de Sansão.
Os cabelos oferecidos ao Vodum/Orixá/Inkice tornam-se imantados e influem "magicamente" sobre o destino de seu proprietário, o iniciado. O ato de doar o cabelo à divindade corresponde não só a um sacrifício mas também a uma rendição: a renúncia às virtudes, às prerrogativas, enfim à própria "personalidade" para uma estreita relação ao arquétipo dessa divindade.
Ficar sem fazer uso do pente durante o período de resguardo e obrigações, simboliza a submissão, a concentração e a ligação com as dividades. Ficar com os "cabelos desgrenhados" já era um costume dos antigos feiticeiros em seu ofício e de seus aspirantes. De modo geral trata-se de uma renúncia às limitações e às convenções do destino individual, da vida comum, da ordem social.
Os cabelos são considerados como a morada da alma. A queda do cabelo (feitura) é uma importante cerimonia que requer inúmeros preceitos preparatórios e representa que aquele neófito deixa de ser pagão recebendo então, nessa ocasião, seu verdadeiro nome (digina). Considera-se que o abian esteja vunerável às forças negativas, a partir do momento em que é despojado com a perda de seus cabelos, liberta-se dessas energias.
O elo estabelecido entre o cabelo e a força vital primária de um abian se renova no ato da feitura, tornando-o, ao mesmo tempo em que perde seus cabelos ligados a sua vida profana, uma nova pessoa com um nova força vital. O conceito de força vital traz consigo, forçosamente, os de alma e de destino.
Por tudo que representa o fio da navalha e o cabelo, podemos avaliar o quanto de preceitos uma navalha tem que passar para poder ser usada em uma feitura.
texto adaptado e comentado por
Yatemi Jurema de Yansã (in memoriam)
Ekedi Rovena
Kwe Ceja Neji
fonte de consulta - Símbolos - Jean Chevalier