sábado, 31 de julho de 2010

OTOLU/OXOSSI,ODE/NGUNZU - PARTE I - OTOLU

   
OTOLU


Quarto Vodum a nascer por ordem de Mawu-Lissa, recebendo desse a atribuição de tomar conta de  todos os pássaros e animais e de viver  nos arbustos como um caçador.
    Otolu é um Vodum autoritário e muito bruto, não gosta de receber ordens de ninguém, faz questão de ignorar iku, ele não aceita  a morte. Em seu reino (caça) considera-se absoluto.
    Conta um itan, que esse caçador chegou em uma festividade no reino de Dan vestido como um rei (rei da caça), quando Dan viu suas vestimentas virou-se para Ogum e cantou:
         "Ajó xô dominadô, orrum para cècè, orrum para cècè" = Togum, que ele mude o ajó (roupa), no  reino de Dam - Ogum foi até Otolu e transmitiu o recado.
    Otolu foi embora e logo voltou com outras roupas e batendo às portas de Dam cantou para o mesmo:
        "Ahoboboi a boia Aganga Otolu ezan, ahoboboi a boia Aganga Otolu ezan" = Dam em teu reino não serei somente Otolu e sim Aganga Otolu "
    Daí pra frente Otolu passou a usar roupas e capacetes de penas para se identificar como Aganga Otolu.
    Otolu é um Vodum de  pouca conversa. Está sempre pelos cantos observando a natureza e olhando de longe seus filhos e a casa onde reside. Em uma demanda transforma-se em um temível guerreiro ao lado de Exu, Ogum e Ossanhe. Sendo que, junto com Togum, são os mais poderosos guerreiros de uma casa de santo.
     Otolu veste roupas de cores: azul claro, azul turqueza, verde, verde e vermelho, branco. Por cima das roupas de tecido traz um saiote de pena (igual a dos índios), usa tornozeleiras,  braçadeiras e capacete de penas. Sua roupas tambem podem ser feitas com couro de coelho e de outras caças. Ele não gosta de roupas com brilho ou estilizadas.
Nas mãos, traz: lança de madeira sendo que entre a lança e o cabo aparece uma cabaça redonda e pequena; arco e flexa. Em suas indumentárias estão incluídos a cabaça pequena trazida como capanga, dois brajás cruzados no peito, chifres de búfalo e erukere.
    Seus fios de contas podem ser: azul claro, verde ou verde rajado de vermelho, dependendo da passagem do Vodum.
    Otolu come caças, carnes cruas ou assadas na brasa (em especial a de porco), milho moído, torrado ou assado na brasa, milho cozinho com fatias de coco, acará, abará, ekuru, omolocum, frutas (menos as que lembram espinho), acaçá, cabrito, frangos.
                                              Feitura - Armas e  Assentamento



  Otolu é o caçador mais velho, podemos compará-lo à Odé dos yorubanos. Existem outros Voduns caçadores.
    A feitura de um Vodum caçador difere um pouco das demais pelo fato desses Voduns não suportarem ficar presos em ambientes fechados e por não darem muito atenção a iku, o que redobra os preceitos e as atenções da equipe que participa de suas feituras.
    Ebós e preceitos são determinados de acordo com os caminhos do iniciado e do próprio Vodum, portanto não existe um padrão.
    As armas usadas nos assentamento dos Voduns caçadores são confeccionadas em ferro ou metal amarelo/branco e seu símbolo é determinado pelo Vodum que está sendo feito.  Esses assentamentos podem ser feitos usando-se a tabatinga  ou soltos.
    Os Voduns caçadores entre eles Otolu, usam roupas de cores azul, verde, branco ou estampada. Usam capacete de penas. Podem trazer nas mãos o arco e flecha, lanças, alguns trazem o arco e flecha e também um abebê, outros trazem nos ombros o couro de uma caça. Todos trazem os brajás* trançados no peito, capangas de couro ou metal, erukere, e o chifre de búfalo.
Texto:Yatemi Jurema de Oya (In memoriam)



Dà Làngàn Òtòlú é a forma que o Vòdún Òtòlú era conhecido na cidade de Savalú. Desde criança Dà làngàn mostrava as suas habilidades na caça e na arte de guerrear. Dà Làngàn foi criado para suceder o seu tio Ázáká. Diz a lenda que, quando Dà làngàn ainda um adolescente ficou perdido na floresta e foi cercado por um enorme Leopardo negro faminto. O jovem Dà Làngàn tinha o costume de tocar uma flauta de osso quando estava descansando na floresta. Esse instrumento pertencente a um Vòdún da mata ligado aos sons emitidos na floresta, Vòdún esse chamado de Àzízá, que é um adolescente que vive tocando a sua flauta de osso pelo meio da mata atraindo para dentro dela as pessoas não bem-vindas por ele. Assim quando o Leopardo o cercou, Ázízá tocou a sua flauta distraindo o Leopardo e com um ataque feroz, Dà Làngàn voou no pescoço do Leopardo e, com um punhal, cortou-lhe sua cabeça e bebeu seu sangue depois comeu algumas partes dele a fim de ter as mesmas habilidades. Assim Dà Làngàn, passou a ser muito respeitado mesmo ainda sendo um adolescente. O título de Òtòlú que significa ´´Chefe caçador de Savalú ´´ foi conquistado quando Dà Làngàn acabou com uma tentativa de invasão pelos Nago na floresta de Savalú, então seu pai o Rei Kúxòsú, deu-lhe o título de Òtòlú e no mesmo dia ele ganhou o comando dos Valutö( um grupo seleto de guerreiros caçadores que o próprio Òtòlú era membro e agora ele os comandava). Com o adoecimento de seu pai, Dà Zòjí seu irmão primogênito assumiu o trono e assim Òtòlú assumiria também os Zúncòtòlè. Quando Òtòlú assumi a liderança dos Zùncòtòlè ele ganha importância dentro do reino e principalmente dentro do clã Sákpátá pois, agora ele tinha uma função de captar alimentos da floresta e proteger o reino. Nesse tempo Ázáká, Otölú e seu primo Ázáwànì quando juntos em caçadas ou batalhas na floresta, eram chamados pelos inimigos e admiradores de Hùndèválú título dado aos grandes ancestrais Caçadores-Guerreiros da antiga dinastia de Savalú. Após a morte de seu pai e a posse em definitivo de Dà Zòjí ao trono, Dà Zòjí dá o comando do exército de Savalú para Dà Làngàn Òtòlú que, após o comando, constrói em um vilarejo perto da costa, um tipo de quartel dos Valutö e um centro de culto ao Vòdún Ázízá. Essa cidade ,depois de sua morte, foi o primeiro local de culto ao grande Guerreiro-Caçador de Savalú conhecido como Òtòlú ou simplesmente por sua velocidade e ferocidade como Tòlú-Tòlú o Guerreiro que não erra. Por ter sido cultuado primeiramente em Dàgbá e, o mesmo que gostava de tocar a sua flauta debaixo de uma árvore com o mesmo nome de Dàgbá, sua fava de iniciação é o fruto da árvore Dàgbá. Na parte litúrgica do culto Vòdún Òtòlú é responsável pela a fartura alimentícia e segurança das casas de culto próximas a florestas, em qualquer ato de colher ou caçar na floresta Òtòlú deverá ser consultado juntamente com Ázízá. Na cerimônia do Grá, Òtòlú tem a função de proteção aos neófitos quando os mesmos entram na floresta. Vòdún imprescindível nas feituras dos neófitos no Ásé do Kpò Dàgbá, pois ele é peça fundamental em uma cerimônia chamada Ámátítè.
Em outras lendas, Òtòlú pertencia a um grupo chamado Húédá de Úídá e que chegou até a região dos Áízòs e lá, por um determinado fato, ganhara a admiração do chefe de uma vila e recebera em casamento, a filha desse chefe. 
Òtòlú se torna o pai de Ábá Hànkò, que irá criar os impérios de Fita e de Savalu que, reunirá todos os Áízòs dessa região com a denominação de Mahuínos(Mahins). Antes da criação do Império Mahin, aconteceu a terceira migração do Tádò. Foi a dos Ájàs Ágàssúvís que vão criar Álàdá, Ábòmèy e Ájàxé(Porto Novo). Da reunião dessas três cidades estados surge Dahomé.
Òtòlú é muito confundido com o òrísá Òsóòsí dos yorubás porém, não possuem nada em comum a, não ser o fato de ambos serem caçadores. Tem como cores o azul turqueza ou em algumas casas o verde, como elemento a terra, como dia da semana a terça ou a quinta-feira e como saudação Áhò gbò gbò Òtòlú!!!
Texto: Mèjító Rômulo tý Dàn  -  http://africaobercodomundo.blogspot.com/

MAKEZU _ O FRUTO SAGRADO NA CULTURA BANTU



Makezu, também conhecido como makazu, mukezu, riquezu, lukezu. Como SIMBOLO SOCIAL a noz de cola faz parte de todas as atividades da vida diária e ela está associada a quase todos os eventos sociais. Para uma festa ou cerimônia para ser recompensado, as nozes de cola têm de ser oferecido aos convidados, em grandes números, se possível. Cerimônias, como compromissos, casamentos, nascimentos, que dá nome ao recém-nascido, batismo, a resolução de conflitos, a reconciliação, visitas aos idosos, funerais, o terceiro ou o quarto dia de luto ... tudo implica um imperativo o uso de noz de cola .. Isto mostra que a noz cola-se agora como um símbolo da hospitalidade, da amizade, a partilha, a compreensão mútua, respeito, solidariedade e sociabilidade. A expressão 'quebrar a cola' significa, 'partilha e amizade'. No Camarões, após receber água potável, ao visitante é oferecido uma noz de cola em sinal de boas-vindas. Se um homem de Cabinda (como também na Guiné e no Senegal) pede para casar com uma rapariga, que num primeiro momento, a fim de desvendar a sua intenção, envia uma certa quantidade de cola nozes à família da menina, a resposta é devolvido a ele da mesma forma: Para uma resposta positiva uma noz branca é devolvido, para uma resposta negativa a noz é o vermelha. Neste caso, a noz é utilizada principalmente como uma linguagem, como uma forma simbólica de comunicação entre dois grupos. Nas próximas fases seguintes, até ao casamento, maiores quantidades de frutas estão a ser oferecidos. Um hóspede se sentirá ofendido se o responsável pelo convite à casa não oferece um número importante de nozes de cola durante o evento. Em terras banto, ninguém vai visitar uma pessoa respeitada sem levar uma noz de cola. O primeiro contato entre o recém-nascido e o seu meio ambiente é estabelecida através da noz de cola, como esta é distribuída para os convidados, enquanto o nome da criança é anunciado. recusando-se a oferecer ou receber uma noz de cola é um sinal de rancor ou de conflito, tal aplica-se a toda a gente, ignorando a sua idade, sexo ou religião.
Dentre as inúmeras utilizações dos frutos nas configurações sociais, incluem o nascimento, cerimônias em que uma árvore de cola é plantada para o recém-nascido, que continuará a ser o seu proprietário ao longo da vida, morte e ritos em que é plantada uma árvore na cabeça da sepultura de um defunto chefe. As guerras foram declaradas e evitada pelo ritual apresentação e troca de noz de cola, insultos ou elogios trocados por variar a cor da casca rija oferecidos, uma vez que eles vêm na cor avermelhada e branca variedades, com o branco a ser a mais desejável. Uma audiência perante uma figura importante da entidade pode envolver a oferta de alta qualidade de noz de cola para mostrar respeito e, em muitas áreas, é uma obrigação social de oferecer a qualquer convidado a noz, com receio de ser dado um insulto. Muitas vezes a partilha da nozes de cola é uma condição prévia necessária para negócios envolvendo estrita etiqueta na apresentação, dividindo, e comendo a fruta.
O Mbuza no Congo (RDC) não iria sem uma noz de cola a um enterro ou cerimônia de luto de uma pessoa que era acostumado a consumir a noz cola freqüentemente quando estava viva. Esta é considerada a melhor maneira de se comunicar com a pessoa e para mostrar elevado respeito a essa pessoa. É profundamente mantida a dimensão 'partilha e convívio' da cola ...Mas é uma partilha dentro de uma camada restrita da sociedade, entre homens adultos, que teria o hábito de sessão em conjunto em torno de uma 'jarra'. Nessas ocasiões, a noz é cercada por uma espécie de mistério e de sua distribuição 'entre amigos' é ritualizado: uma noz está escondido sob o sua mão, ele gerencia imperceptivelmente para quebrar um pedaço que seja imediatamente posto em sua boca e mastigado, então, fazendo como se apertando as mãos do seu vizinho, ele passa a parte restante da noz para os próximos para servir-se às escondidas ... 'Proibido para aqueles que não são iniciados' parece ser a mensagem deste jogo 'sob à mesa 'dignas de um comportamento de casta. Na verdade, é o 'afrodisíaco', que é privilegiado neste aspecto, assim como o seu aspecto secreto.
Para a maioria dos povos banto, adivinhações rituais são uma parte essencial da vida diária. Um indivíduo lança peças de uma kola e pergunta ao oráculo na parte da manhã, a fim de determinar o que fazer para tornar o seu caminho com sucesso por meio do dia, uma família faz uma consulta para saber se a morte está rondando ou de conhecer a vontade dos antepassados para a resolução de conflitos no seio do lar; um rei pede ao conhecimento do seu adivinho a fazer a sua posição de autoridade segura. adivinhos são também os agentes de memória, os conservantes da história de um povo, ou, em tempos de crise, os criadores de um 'passado' ou uma 'visão'. Uma pessoa do estatuto muitas vezes é determinada por aquilo que é revelada em rituais de adivinhação da noz de cola, no momento do nascimento, provenientes da idade, do casamento, a investidura sacerdotal ou escritório real, a morte, e outros eventos críticos.
A noz de cola também aparece em práticas fetichista e animistica de adoração. Como um objeto religioso que cumpre uma função essencial neste contexto como um mediador entre o fetichista e seu paciente, entre simbolização e linguagem, os vivos e os espíritos.. É utilizado para adubar o totem antepassado, para se proteger contra o mal influências, para atrair boa sorte e sucesso. Entre a arte ritual dos Nkanu e Mbeko, o mais famoso e provavelmente também o mais original Nkisi é o Nkisi Mpungo, esses povos acreditam que sua força pode realizar todos os seus desejos e depois de confeccionada a escultura e ativar o poder da força dentro do objeto com uma semente de noz de cola, é preciso cinco folhas de capim dandá, uma noz de cola e vinho de palma, os capins são colocadas em volta do objeto e a mistura da noz mascada com o vinho de palma é borrifado sobre o capim e o objeto em sí.
Assim, como herança desses povos, nos reportamos as terras brasilis em especial para os candomblés angola/kongo que a utiliza (Tal qual os Bantos, usando os dedos e nunca objetos cortantes para parti-los) em todas as ocasiões benfazejas. No processo divinatório, para confirmações de oferendas. A noz de cola combinada com outras plantas, raízes e favas psicoativas como dandá, noz moscada, etc. reduzidas a pó, é usado em rituais de cura, no fechamento de corpo e na feitura de santo por meio de cortes agindo como cicatrizante. Nos sacramentos denominados massangá, ritual de batismo de água doce (menha) na cabeça (Mutuê) do iniciado (Ndumbi) usa-se a noz de cola (kezu), no Nkudiá mutuê, ritual de colocação de forças (Ngunzu, Muki) a santa semente está presente. Resta-nos (já que estamos em processo de resgate da cultura), como simbolo social, símbolo da hospitalidade, da amizade, a partilha, a compreensão mútua, respeito, solidariedade e sociabilidade, passarmos a ofececer essas nozes e utilizar a expressão 'quebrar a cola' que significa, 'partilhar amizade»

Texto traduzido e adaptado por Jito Mungongo

O AXÉ



O Axé

"Energia mágica, universal sagrada do orixá. Energia muito forte, mas que por si só é neutra. Manipulada e dirigida pelo homem através dos orixás e seus elementos símbolos."

A força que assegura a existência dinâmica, que permiti o acontecer e o devir. Sem Asè a existência ficaria comprometida e paralisada, desprovida de toda possibilidade de ser, já que é o princípio do processo vital.
O elemento mais precioso do Ilê, é a força que assegura a existência dinâmica. É transmitido, deve ser mantido e desenvolvido, como toda força pode aumentar ou diminuir, essa variação está relacionada com a atividade e conduta ritual. A conduta está determinada pela escrupulosa observação dos deveres e obrigações, de cada detentor de axé, para consigo, ser orixá e para com seu ilê. O desenvolvimento do axé individual e do grupo, impulsionam o axé de ilê.
"O axé dos iniciados está ligado, e diretamente proporcional a sua conduta ritual - relacionamento com seu orixá; sua comunidade; suas obrigações e seu babalorixá."
 O filho-de-santo a partir da sua iniciação no Candomblé tem contato com esta energia, quando ele entra no mundo do Axé. É na iniciação que se dá o primeiro passo na doutrinação iorubá, a "feitura no santo". Nesse momento o filho-de-santo conhece os seres que criaram e que comandam o mundo encantado e o mundo material, aqueles que vão cuidar dos seus filhos e que por eles também serão servidos e cultuados para manutenção do Axé. Ele descobre qual o seu santo, pela primeira vez ele é "cavalo" do Orixá, isto é, ele tem a sua primeira e fundamental experiência no Candomblé, ele é possuído pelo seu Orixá.
 Axé não pode, no entanto, ser pensado como algo doado pelos Orixás ao filho-de-santo ou vice-versa. Os Orixás são considerados ancestrais detentores de Axé que se valeram dessa força geradora para criar o mundo. Na organização contemporânea eles necessitam, no entanto, do fortalecimento e da manutenção da energia. O Axé depende diretamente da relação entre o que é oferecido pelo filho (alimentos, animais sacrificados, obrigações, etc.) e como esse tem os seus objetivos satisfeitos mediante proteção, aconselhamento, cura ou qualquer tipo de intervenção do Orixá que demonstre poder.
 O equilíbrio energético que se mantém com a dinâmica interação entre dois pólos, assim como é visualizado com o símbolo chinês do yin e yang, no Candomblé se efetiva na relação filho de santo e Orixá. A possessão é de fundamental importância nessa interação energética. Aos olhos do povo de santo é nesse processo que se encontram os dois pólos interagindo no mundo material. Se, por um lado, o Orixá como personificação das forças agentes no mundo tem o seu Axé, ele é abstrato, não pode ser visualizado e, portanto, cultuado; ele não concretiza-se sem o seu filho. Torna-se imprescindível uma complementaridade material, o elegun ou "cavalo do santo". O filho tem para si o seu santo particular, que só "nasce" quando incorporado. Não se ouve de um filho de santo que ele foi possuído por "Xangô" ou "Iemanjá", mas por "seu Xangô" ou por "sua Iemanjá", aquele que só veio ao mundo porque o tem como elegun. É o que afirma Rira Laura Segato, no livro Santos e Daimones, "Assim, o Orixá que manifesta na possessão interagindo com os seres humanos não é entendido como o Orixá abstrato, mas como uma de suas infinitas instâncias, que somente existe na e através da pessoa concreta de um filho" .
 A força do axé é contida e transmitida através de certos elementos e substâncias materiais, é transmitido aos seres e objetos, que mantém e renovam os poderes de realização. O axé está contido numa grande variedade de elementos representativos dos reinos: animal, vegetal e mineral, quer sejam da água - doce ou salgada - da terra, floresta - mato ou espaço urbano. Está contido nas substâncias naturais e essenciais de cada um dos seres animados ou não, simples ou complexos, que compõem o universo.
 Os elementos portadores de axé podem ser agrupados em três categorias:



1) "sangue" vermelho
2) "sangue" branco
3) "sangue" preto 



O "sangue" vermelho compreende:

a) do reino animal: o sangue

b) do reino vegetal: o epô (óleo de dendê), osùn (pó vermelho), aiyn (mel - sangue das flores), favas (sementes), vegetais, legumes, grãos, frutos (obi, orobô), raízes...
c) Do reino mineral: cobre, bronze, otás (pedras), areia, barro, terra...


 O "sangue" branco:

a) do reino animal: sêmem, saliva, emí (hálito, sopro divino), plasma (em especial do igbin - espécie de caracol -), inan (velas)

b) reino vegetal: favas (sementes), seiva, sumo, alcool, bebidas brancas extraídas das palmeiras, yiérosùn (pó claro, extraído do iròsún) ori (espécie de manteiga vegetal), vegetal, legumes, grãos, frutos, raízes... 
c) reino mineral: sais, giz, prata, chumbo, otás (pedras), areia, barro, terra...


O "sangue" preto:

a) do reino animal: cinzas de animais

b) reino vegetal; sumo escuro de certas plantas, o ilú (extraído do índigo) waji (pó azul), carvão vegetal, favas (sementes), vegetais, legumes, grãos, frutos, raízes...
c) Reino mineral: carvão, ferro, osun, otás (pedras), areia, barro, terra... 


Existem lugares, sons, objetos e partes do corpo (dos animais em especial) impregnados de axé; o coração, fígado, pulmões, moela, rim, pés, mãos, rabo, ossos, dente, marfim, órgãos genitais; as raízes, folhas, água de rio, mar, chuva, lago, poço, cachoeira, orô (reza), adjá (espécie de sineta), ilús (atabaques)... 
Toda oferenda e ato ritualístico implica na transmissão e revitalização do asé. Para que seja verdadeiramente ativo, deve provir da combinação daqueles elementos que permitam uma realização determinada. Receber asé , significa, incorporar os elementos simbólicos que representam os princípios vitais e essenciais de tudo o que existe. Trata-se de incorporar o aiyé e o orún , o nosso mundo e o além, no sentido de outro plano. O asé de um ilê é um poder de realização transmitido através de uma combinação que contém representações materiais e simbólicas do "branco", "vermelho" e "preto", do aiyé e orún. O asé é uma energia que se recebe, compartilha e distribui, através da prática ritual. É durante a iniciação que o asé do ilê e dos orixás é "plantado" e transmitido aos iniciados. 

DANÇA NO CANDOMBLÉ IV


Os desenhos das danças

As danças são estruturadas em coreografias executadas no xirê, ou durante a incorporação. São muitas e diferentes e só uma longa convivência permite conhece-las e descreve-las. Como pude observar, os movimentos contam e mostram as palavras das cantigas e as características da personalidade dos orixás. A troca da coreografia acontece quando tira-se uma outra cantiga. A forma coreográfica de algumas danças repetem-se, por isso tentarei encontrar o sentido simbólico delas.

Primeira entre todas é a forma do círculo, a antiga roda sagrada, que pode ser encontrada em várias culturas; de fato, em todas as danças extáticas, os dançarinos rodam em torno de um centro, ao tempo em que rodam também sobre si mesmos num duplo movimento de rotação e translação.

A forma do círculo tem uma grande importância na África, Neumann (1981:214), simbolizando a Grande Mãe, que em si contém os elementos masculinos e femininos. Por isso as coreografias referentes as divindades da Água: Oxum e Iemanjá possuem um movimento circular.

É interessante observar que as danças extáticas rodam em sentido anti-horário, esta direção é tomada em quase todas as danças sagradas do mundo, talvez porque abre a brecha entre sagrado e profano, simbolizando a volta à origem.

As danças começam em um grande e lento círculo que vai diminuindo ao longo do ritual com voltas sobre si, durante as incorporações, a simbolizar uma direção para o interno. Como o círculo, a espiral é um símbolo antiquíssimo. A espiral aparece nas rotações que as filhas-de-santo fazem sobre si mesmas, quando incorporam ao longo do ritual e nas danças de Exu. 

A espiral é o símbolo da comunicação (Santos:1977; Pelosini:1994). Assim, quando o orixá possui o corpo da filha-de-santo, realiza-se uma comunicação entre o homem e a divindade. Enquanto o corpo vira sobre si mesmo, a energia do orixá penetra no corpo. Não é por acaso que Exu, a divindade da comunicação [8], roda sobre si mesmo desse modo. A espiral expressa a evolução a partir de um centro; simboliza a vida, porque indica o movimento numa unidade de ordem ou, ao inverso, a permanência do ser na mobilidade. Durand (1972) sugere que, a espiral, simboliza a permanência do ser, através das flutuações da mudança da vida”. 

A espiral poderia simbolizar a procura do próprio espírito ao longo do difícil caminho místico. Partindo de um ponto firme, alcança, com voltas o mundo do sagrado. Não é por acaso que, no candomblé, a espiral encontra-se no okoto, associado a Exu, orixá que expressa a dinâmica da vida, o movimento interno na criação e na expansão do mundo. Exu é o princípio dinâmico da evolução e o mensageiro entre o homem e a divindade, sem ele nada pode ser cumprido.

Conclusões


Os versos de Senghor esclarecem a importância da dança, a dança é a possibilidade de conhecer o outro, dançando exprimem-se o lado mais profundo e misterioso do ser e também liga-se na essência do outro. Um outro que pode ser encontrado dentro de nós dançando-o e pode ser olhado como um espelho. Eis o conceito do "duplo", a sacerdotisa-dançarina está criando o outro e também neste processo de criação-incorporação o vivência intensamente em si mesma e adquire a sua pulsação-ritmo interna.

A dança tem um sentido particular porque é a expressão da divindade e da identidade mais verdadeira da filha ou do filho-de-santo. Cada um possui a própria "identidade-sonora", o próprio duplo no orum, que o fiel encontra no momento da possessão e que aprende a reconhecer e a conhecer através da dança e da música. E pelo corpo que o ser humano começa o caminho do conhecimento e o papel por ele desempenhado no cosmo e na sociedade. Sendo no corpo que o ser humano vivência a própria experiência da vida e junta as várias informações simbólicas sobre o mundo, é no corpo divino, que vivenciando as energias sagradas, ele pode se comunicar com o sagrado, pode juntar o lado sensível com aquele material, porque não dados cognitivos, mas as cores, as formas, os sentimentos internos dão forma á matéria. 

Os ritmos dos atabaques levam o fiel numa viagem que o transforma, porque toma posse do tempo que flui e do espaço que não tem mais lugar definido, o fiel volta ao tempo da origem. A percussão dos atabaques, como sustenta Duplan, é a materialização do tempo e tomar consciência do tempo é conhecer a nossa linhagem, a nossa historia. Cada ser humano é um anel de uma corrente infinita que originou-se com o nosso ancestral-mítico. O corpo age no mundo sagrado através dos movimentos da dança e interage com o espaço e com o tempo. Espaço que refere-se a uma tipografia sagrada onde cada objeto, cada planta remetem a outros planos da existência.

Texto:Rosamaria Susanna Barbára

DANÇA NO CANDOMBLÉ III


A dança do vento



As danças dos orixás são diferentes entre elas. O sentido profundo das danças, como do ritual em geral não pode ser completamente descoberto, porque existem vários significados estratificados e alguns são perceptíveis apenas pelos iniciados.

Nas coreografias de Oiá , os passos são pequenos e rápidos, ela è o elemento ar em movimento, enquanto os braços movimenta-se com força afastando qualquer um da sua frente. O corpo pode ser dobrado para o chão, com uma carga muito ameaçadora, mais freqüentemente é direcionado para o alto. Como diz Augras (1983:153): 

“pode-se observar muitos detalhes que sugerem a fusão, na figura de Oiá-Iansã, de várias divindades, de origens diversas”.... A Oiá relacionada com Oxossi, “... foi provavelmente uma deusa agrária, ligada aos cultos da fecundidade e do boi”.

Oiá viveu em várias épocas, por isso possui ligações com vários orixás masculinos. O fato de ser uma mulher-búfalo deixa bem claro a sua ligação com uma era pré-histórica antiga e a sua relação com Oxossi, rei do mato e com Ogum da mesma estirpe de Odê, o caçador. A sua ligação com Xangô originam-se dá descoberta do fogo que ela doa aos homens. A ligação com Ogum é esclarecida também pelo seu trabalho junto com ele na forja, para manipular o ferro. Enfim, sabe-se que de Omolu, a livre deusa recebe o poder sobre os Eguns, que, em algumas lendas, seriam os próprios filhos de Oiá-Iansã. Todos esses aspectos e outros mais são expressados nas suas danças nas quais existem os seguintes aspectos gerais:

1) - um movimento circular no começo para delimitar o espaço sagrado, no qual ela concentra as energias da natureza: o ar, a água e o fogo. Essa rotação é feita também com movimentos dos braços que viram com o corpo todo, e simbolizam o ar que, em movimento, torna-se vento e, sempre mais rapidamente, furacão e tempestade (água);

2) - um movimento com linhas quebradas e continuamente mutante de direção. Como me explicou uma filha de santo, “o ar está em todo lugar, em cima, embaixo, de lado, em qualquer lugar”. Por seguir o movimento do ar, Oiá-Iansã encontra sempre novas direções, possui o espaço sagrado e ocupa-o agressivamente;

3) - um movimento nervoso, com impulsos súbitos e rápidos, que descreve a eletricidade e a impaciência dessa energia;

4) - um movimento fluido e leve, que expressa o ar leve e a doçura do orixá, levando os espíritos dos mortos ao orum.

O primeiro movimento pode ser entendido a partir da discussão anterior sobre a roda sagrada. Aponta a construção de um espaço mágico, onde se concentra e onde se fazem concentrar as forças da natureza. Também o redemoinho que Oiá-Iansã faz sobre si mesma è o movimento do elemento ar. Ela ocupa muito espaço, sobretudo ao nível horizontal. Às vezes, abre os braços, puxa a cabeça para trás e roda sobre si mesma, desenhando uma espiral com o próprio corpo. Deixa claro, através da sua postura firme, que precisa de muito espaço e que é dona deste. A utilização do espaço é diferente da observada nos outros orixás femininos, Iemanjá e Oxum, que dançam com movimentos de menor dimensão horizontal. Quando Iemanjá locomove-se como onda, por exemplo, ela ocupa um espaço mais em vertical e também seu movimento é um andar e um vir para si mesma, é um movimento mais introspectivo, mais ligado à interioridade, enquanto Oiá-Iansã movimenta-se para o exterior, ela é mais ligada à ação. 

Quanto ao terceiro aspecto, Oiá-Iansã movimenta-se em diagonal. Anda pelo barracão, sem uma meta precisa, qualquer coisa nova a seduz e provoca um repentino câmbio de direção. Esse movimento transmite o frêmito e a curiosidade de Oiá, que está sempre a procura de algo ou de alguém. Pode parecer quase desesperada, nesse seu andar sem meta e com tanta energia. Oiá é um orixá jovem e guerreiro, que abre os caminhos, lutando e limpando as marcas dos Eguns em qualquer lugar.

O último aspecto é a leveza que ela expressa quando afasta os mortos, transporta algo, ou abre o caminho para os seus devotos. Nessa sua qualidade, ela parece mais flexível. Aqui demonstra a sua generosidade, transportando as almas ao orum, para uma nova vida.

Os níveis do seu corpo no espaço, níveis que, do baixo passam para o alto, expressam sensualmente o elemento ar. Nem os pés estão postos no chão. É muito diferente, por exemplo, o nível da dança de Iemanjá, que utiliza mais o nível médio e baixo. Para fazer um exemplo, quando Iemanjá dança representando a onda do mar, o corpo permanece mais nesses dois níveis. Ela expressa o lado feminino da fecundidade, da reprodução, do interno e, por isso, é mais chegada ao nível baixo, aos órgãos sexuais e da reprodução, ao útero, enquanto Oiá é mais ligada ao nível médio e alto por que ela não tem relação com os órgãos internos, mas com a aventura, com a ação livre, com o externo.

Analisando os níveis espaciais, pode-se reconstruir toda a história mitológica de Oiá.

- Quando ela dobra-se para o chão, é a guerreira, que se prepara a lutar ou a mulher-bufalo. Nessa fase, as lendas contam a sua vida afetiva com Ogum e Oxossi, orixás do mato;

- Quando ela levanta-se de nível, representa a sua ligação com Xangô, a magia do fogo;

- Quando o nível é alto, representa o ar, e as lendas contam a sua ligação com os espíritos dos mortos, que ela transporta no orum.

Ela toma consciência do espaço dinamicamente, andando, explorando, procurando. Enquanto Iemanjá é mais estática, para, tem o andamento devagar de uma grande rainha, constrói ao seu redor círculos concêntricos que vão sumindo aos seus limites. Este uso diferente do uso do espaço, provavelmente, origina-se dos diferentes povos que cultuavam as duas divindades. Segundo Leroi-Gourhan (1977: 130):

“A mitologia dos caçadores organiza-se ao redor de um espaço itinerante, como o caminho dos astros ou dos heróis, enquanto a mitologia dos agricultores-sedentários organiza-se ao redor de um espaço radiante, como o paraíso sobre uma montanha com a árvore da sabedoria ao centro e quatro rios que vão aos limites do mundo”.

As danças de Iemanjá são muito diferentes, são constituídas por movimentos amplos, os pés posam mais no chão, a demostrar o equilíbrio, enquanto os braços movimenta-se com grande fluidez. O corpo está levemente dobrado para o chão em uma forma redonda a lembrar a forma materna da deusa e a sua disponibilidade em acolher e em conduzir, o corpo todo expressa o movimento rítmico das ondas, mas também o mistério da água que traz do fundo do mar para as superfícies as riquezas e o encanto do mar. 

DANÇA NO CANDOMBLÉ II



continuação......


O corpo sagrado 



O homem está em contato contínuo e harmônico com a natureza, que fala com os mortais através das suas vibrações, captadas pelo corpo, por isso ele não é negado, mas vive o seu compromisso com o mundo. Os seus ritmos são acompanhados de uma experiência sensual contínua. Eis por que o corpo é decorado para mostrar a sua importância e resguardá-lo dos ataques mágicos externos, protegendo as aberturas com decorações ou jóias, como os brincos cheios de ‘pendentes’.

O corpo sagrado é o templo por excelência, é simbolicamente o "trono" e, por isso, o das divindades (típica é a representação de Hísis sentada) é sempre representado (Neumann, 1981:101) como: “um trono em si”. Portanto as cadeiras são uma área sagrada do corpo humano, onde a bacia e as nádegas representam a fertilidade.

Centro da irradiação simbólica portanto é o corpo, expressão das energias da natureza e em unidade com o mundo natural que o abrange. Daí a sua função de busca das energias cósmica e da expressão delas, vivenciando-as.

Sendo o corpo humano uma cópia das formas e das energias do cosmo, os próprios elementos ( fogo, ar, água, terra e mato) juntam-se segundo arquétipos diferentes. As palavras do biólogo Pelosini (1994:94) aplicam-se bem à concepção africana do corpo humano : 

“...o universo (macrocosmos) e o homem (microcosmos) são criaturas similares, que obedecem às mesmas leis como um tipo de fantástico e perfeito relógio cósmico que marca harmoniosamente os ritmos”.

O corpo é então um centro de forças opostas que devem estar em equilíbrio e em relação complementar. Na mesma maneira a pessoa pode ser percebida como o resultado do equilíbrio das diversas partes do corpo, símbolo da comunicação entre o mundo natural e aquilo sobrenatural.

Mas o corpo adquire um sentido também na interação com o espaço e com o tempo. Espaço atravessado pelas energias da natureza que criam campos energéticos que colocam cada elemento em relação com o outro, segundo o principio fundamental da existência africana que propõe uma visão de mundo ligada a comunicação entre todos os seres humanos e não humanos. 



A dança cosmica 



Shiva criou o universo dançando, assim como nos mitos gregos Eurinone, Deusa de Todas as Coisas, emergiu nua do Caos, mas não vendo substância em redor onde firmar os pés, apartou do céu o mar, dançando solitária por sobre as suas ondas. (Graves, 1990:31). Nas lendas dos Iorubás, os orixás também gostavam muito de dançar durante as festas ou para atrair alguém. 

Entendem-se assim que não só no pensamento africano, mas também no oriental e grego o universo é percebido em contínuo movimento, formado por ondas vibratórias organizadas no "verbo" da Divindade Suprema que expressa-se na respiração com os dois movimentos básicos da natureza viva: expansão e contração. Movimentos fundamentais da vida do cosmo, das plantas, dos animais e do homem. Belinga diz (1993:11): 

"Nas nossas tradições o ‘verbo’ possui três elementos que o determinam e que permitem a sua colocação seja entre as formas artísticas, seja na comunicação interpessoal. Três são as formas nas quais o "verbo" manifesta-se: a palavra, que caracteriza a expressão interior e exterior do pensamento; a música que expressa a beleza; e por fim a dança, que é em função seja dos ritmos dos instrumentos seja do ritmo interior do ‘verbo’ ”.

Sendo o candomblé de tradição oral, a visão de mundo é passada por meio do corpo através de um longo percurso de aprendizagem e de incorporação dos fundamentos religiosos que o propõe como instrumento de memória para a comunidade e de sabedoria para o fiel. Por isso a dança e a música associadas ao mito, tem a função de uma literatura nas sociedades de tradição oral e possuem uma pluralidade de sentidos: a história da etnia, a visão do mundo, o ethos do grupo, a organização da sociedade e as crenças religiosas e várias funções como aquela de fortificar o grupo e o conhecimento da comunidade sobre ela mesmo, além de expressar a identidade individual e espiritual da dançarina.

Esta pluralidade de sentidos é expressa por meio do símbolo principal da dança: o corpo da sacerdotisa-dançarina, um microcosmos, no qual encontra-se todas as energias da natureza em um equilíbrio único e específico de cada indivíduo, espelho das energias do macrocosmos. A dança sagrada contempla dois aspectos: um lado exterior e um lado interior. O primeiro é transmitido por meio dos movimentos, as roupas litúrgicas e os objetos sagrados. O segundo é a transformação interna em algo outro, diferente da identidade cotidiana, é o duplo espiritual que encontra-se no orum.

O segundo aspecto exterior são as roupas litúrgicas, os materiais com os quais são costurados nos contam as fontes de subsistência (por exemplo uma roupa de conchas mostra que aquela comunidade vive de pesca) e nos indica qual seja a sua posição na hierarquia social (através da posição de algumas partes do vestido percebe-se se são mulheres iniciadas ou não e há quanto tempo; se são filhas de uma divindade feminina ou não, etc.).

O terceiro aspecto, aquilo dos objetos sagrados relata: a qualidade do orixá, a sua ligação mitológica e a sua função cósmica, por exemplo o abebé, um leque e a espada de Iemanjá relatam seja o lado guerreiro da deusa seja a sua ligação com o mundo feminino relatado por meio da forma redonda do abebé e da cor de prata do mesmo que lembra a lua, o elemento do feminino por excelência.

O aspecto interior da dança é a metamorfose que acontece dentro da sacerdotisa ao longo do transe. Este fenômeno, do qual muito se escreveu, mas sem alcançar uma explicação exaustiva devido ao fato de ser uma experiência de fé, intima e preciosa e por isso dificilmente compreendida por aqueles que não a experienciaram.

Tanto a música, quanto a dança que a acompanha expressam o caráter do orixá e os acontecimentos da sua vida. As histórias míticas, as qualidades, as virtudes e as falhas dos orixás são passadas aos fiéis através das letras das cantigas. A concentração e a busca interior permitem expressar a própria música e a própria gestualidade, que é única e pessoal e que corresponde à "qualidade" de cada orixá. 

Assim, por exemplo a música de Oiá é caracterizada por grande rapidez, agressividade, determinação e grande variabilidade, percebe-se assim a personalidade da deusa que expressa o elemento ar em movimento. O uso da polirritmia no toque de Oiá tira a possibilidade de encontrar uma pausa no ritmo e dá ao toque a sensação da impossibilidade de botar os pés no chão. Enquanto a musica de Iemanjá é caracterizada por movimentos lentos e amplos, que expressam o movimento das ondas do mar. Por sendo em ritmo binário a sensação é aquela de um movimento circular, expressado também na dança.

Na festa pública do candomblé são reconhecíveis dois tipos de dança:



a) um primeiro tipo, no começo da festa, o xirê (literalmente “brincar”), onde se canta para todos os orixás um mínimo de três cantigas, acompanhadas pelas danças. Cada orixá possui cantigas e gestualidades particulares, pertencentes só a ele. Essas danças são previsíveis, porque são executadas ainda em estado consciente e seguem um padrão fixo, a depender do orixá dono da festa. São danças de invocação e de preparação, poderia ser equiparada a uma meditação dinâmica. Os movimentos são de dimensão pequena e chamam-se “dançar pequenino”. Servem para concentrar as energias, mas também para as pessoas se centrarem e para prepararem-se a receber o orixá;

b) um segundo tipo, são danças realizadas durante o transe; é o próprio orixá que dança nesse momento, seguindo o ritmo sagrado dos tambores. Nessa segunda parte, o andamento da festa não é fixo porque, apesar de existir um padrão, não se pode saber exatamente quais serão as coreografias que os orixás irão dançar, pois o andamento depende de varias causas visiveis e não.

Cada orixá possui um toque característico que o identifica mais varias cantigas com ritmos diferentes que são executados com outras frases coreuticas. Então cada divindade possui um proprio repertório de danças e um repertório próprio de cantigas nas quais são relatados os fatos míticos da sua vida. Assim que cada casa de candomblé possui um mínimo de 500 cantos liturgicos, por isso è muito difícil ter uma idéia clara do desenvolvimento do ritual. O orixá mostra ao público a sua história mitológica, redistribuindo a energia vital, axé e trazendo o mundo sagrado de volta ao cotidiano. 

continua...........